Historicando

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06 março 2013

Portugal visto de fora


Vista de fora, a nossa crise é uma crise de direitos garantidos e benefícios corporativos.
Foi esta a ideia que esteve por detrás do memorando de entendimento, e é ela que explica a lógica das condições que nos têm sido impostas desde meados de 2011. Vista de dentro, a crise tem tantas explicações quanto posições ideológicas. Da esquerda para a direita, a crise é interna à lógica do capitalismo, um efeito colateral da crise financeira internacional, ou a factura da festa dos últimos anos. Responsáveis é que não há. Quem assuma erros, tão pouco. Visto de fora cá dentro, o resultado não podia ser outro. Nunca os portugueses confiaram tão pouco na classe política, do partido que nos levou à bancarrota aos partidos que agora nos governam sob a batuta da troika; nunca os portugueses temeram tanto o futuro que os espera.
Vista de fora, a última década foi uma década perdida. Crescimento económico nulo, produtividade a crescer menos do que os salários, resultados escolares aterradores, um aparelho de Estado tomado por clientelas poderosas, o constante adiar da resolução de problemas à vista de todos. Visto de dentro, foi uma década de expansão da classe média do Estado, de crédito barato e sem limites, da construção desenfreada, de Scut sem tino, de expansão milagrosa da ciência nacional. Visto de fora cá dentro, o reverso da medalha era claro como água. Na ciência, há quem associe a crise ao facto dos dois prémios Gulbenkian de Ciência deste ano se terem ido embora de Portugal.
Se lhes perguntarem, como aos milhares de outros que viveram de bolsas anos a fio cedo percebem que a explicação é outra. O milagre da expansão da ciência tinha pés de barro. O essencial, e mais difícil, ficou por fazer: integrar a nova geração de cientistas nas universidades, em vez de os subsidiar com bolsas em estruturas paralelas. Da mesma forma, o Estado social tinha filhos e enteados: os primeiros cada vez mais grisalhos e os segundos cada vez mais jovens e precários. A paisagem natural, essa foi sendo destruída paulatinamente ao sabor da "estratégia PIN". As desigualdades, económicas mas também de poder e influência, mantiveram-se, no essencial, intocadas.
Visto de fora, o nosso futuro é sombrio.
Como reindustrializar um país que nunca foi industrializado? Como pagar uma dívida de mais de 120% do PIB com as taxas de crescimento anémicas que se prognosticam para os próximos (muitos) anos?
Como aumentar a produtividade da força de trabalho menos qualificada da Europa ocidental? Visto de dentro, predomina a incapacidade de reconhecer erros passados e o tacticismo das sondagens, uma incapacidade apoiada sobre sectores da nossa sociedade que fingem não perceber que quanto mais se puxa o lençol, mais os pés ficam de fora. Visto de fora cá dentro, há razões de sobra para tentar provar que os prognósticos sombrios estão errados e que as inércias à mudança são injustas.
Até porque é do seu próprio futuro que estamos a falar. As grandes manifestações do último ano e meio, a vontade em discutir o futuro do Estado social, a insubmissão às hierarquias e ao poder instituído são sinais claros de que a história desta crise ainda agora começou. Os seus protagonistas têm perante si um desafio comparável ao que a geração dos seus pais teve no 25 de Abril: o de lançar as bases de um projecto futuro de vida em comum. Esse projecto de um Estado providência financiado com taxas de crescimento de 5% ao ano é, hoje, passado.
Um passado com o qual temos que contar - para o bem e para o mal - para o que aí vem. Ou muito me engano, ou o futuro é muito tempo.
Filipe Carreira da Silva, Investigador, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Autor de O Futuro do Estado Social (FFMS, 2013)
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