Pensar faz doer a cabeça

No seu mais recente e notável artigo no DN ("O Sentido da responsabilidade", 12/3/2013), Adriano Moreira chamava a atenção para que os limites da doutrina da "liberdade de mercado" se encontram na resistência da própria realidade.
Nenhuma doutrina dispensa a responsabilidade ética. Só ela nos permite arrepiar caminho, quando a estrada da doutrina fica semeada de sofrimento. Como ilustração abonatória da sua tese, Adriano Moreira citava EA. Hayek, que é um verdadeiro Deus para o enxame de técnicos e assessores que em Berlim e Bruxelas apuram as políticas de austeridade suicidaria do directório. O que separa Hayek dos seus discípulos no BCE, ou nas Finanças portuguesas, é a diferença entre o pensamento criador e a grotesca imitação dos ideólogos. Onde o pensador vê dinâmicas vivas, o ideólogo vislumbra modelos rígidos. Onde o pensador percebe o desconhecido, o ideólogo aplica desastrosamente fórmulas feitas. O que diria Hayek face à crise europeia, que os seus "discípulos" primeiro ajudaram a criar e agora querem "resolver" fazendo implodir a União Europeia?
Na sua obra clássica, O Caminho para a Servidão (1944), escrevia Hayek: "Ao contrário do que muitos julgam, não precisamos de uma autoridade económica internacional, o que necessitamos é de um poder político superior que possa controlar os interesses económicos e que, em caso de conflito entre estes, possa ser justo na avaliação, pois não está ele próprio envolvido no jogo económico."
E acrescenta que esse poder político, condição básica para manter a liberdade de mercado e a paz internacional, deveria respeitar "o princípio de organização federativa". Infelizmente, os discípulos de Hayek, que em Berlim têm bloqueado uma resposta federal à crise, olham mais para a chanceler Merkel do que para a palavra do Mestre. Entre a verdade e as lentilhas, os ideólogos escolhem sempre o que está dentro da marmita.
VIRIATO SOROMENHO MARQUES, Professor universitário
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