Historicando

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20 março 2013

FOME - 'Portugal: tempo de regressar à terra'


A fronteira da pobreza tem avançado para Norte, como incessantemente tem alertado Adriano Moreira. Mesmo nos países desenvolvidos, aumenta em flecha o número de agregados familiares que depende de ajuda pública de emergência. Se a China, em virtude de uma seca prolongada, for obrigada a aumentar as suas importações alimentares, os preços dispararão no mercado mundial para além do suportável. Não só muitos regimes cairão, como a violência e a desordem acompanharão o aumento exponencial da fome em muitas regiões e países.
A FOME ALASTRA NO MUNDO
Entre 2007 e 2008, apesar da produção alimentar mundial ter aumentado 5%, o número de pessoas cronicamente subalimentadas aumentou 150 milhões, ultrapassando a barreira dos mil milhões! Não existem explicações simples para fenómenos complexos. Conhecemos, todavia, algumas das causas envolvidas na carestia brutal dos preços. Sabemos que o aumento do rendimento das classes médias dos países emergentes levou a uma nova dieta, mais rica em carne, e por isso mais exigente em cereais para rações, e terrenos para passagens.
Sabemos que o uso do milho americano para fabricar biocombustíveis, fez disparar os preços nos mercados importadores. Sabemos que o elevado preço do petróleo aumenta os custos da produção.
Sabemos que há limites ecológicos atingidos e solos em exaustão e degradação. Mas, tudo indica que aquilo que faz a diferença, aquilo que levou a que, apesar da subida de produção entre 2007 e 2008, os preços tivessem explodido, é também inseparável da invencível avidez da especulação financeira. Ele não só manipula os preços, como impede a soberania alimentar de países.
Na Zona Euro ainda não é totalmente conhecido o impacto desastroso da crise da dívida soberana". Mas, as informações do nosso país, da Grécia, e mesmo de Espanha, são assustadoras. A fome está patente, num quadro de alargamento da desigualdade, que começou muito antes da crise financeira de 2007. Esta situação só poderá agravar -se exponencialmente, caso se venha a concretizar a perspectiva de uma "dupla recessão" (doúble dip), que lançará a economia mundial numa situação de declínio e perigo de colapso.
O CASO PORTUGUÊS
Não nos devemos iludir. A gravidade da crise alimentar — que tem raízes profundas na desordem política global, e, sobretudo, na crescente incerteza ambiental — não se irá prolongar indefinidamente apenas nos países mais pobres. Portugal sofre não só por estar encurralado numa estratégia errada de resposta à crise europeia, como padece de um défice alimentar que a irresponsabilidade de sucessivos governos medíocres não deixou de fazer crescer. Não só a política de agricultura e pescas foi deliberadamente negligenciada, nomeadamente durante os governos de Cavaco Silva, como a ausência de lei e ordem nas políticas urbanas conduziu à destruição de dezenas de milhares de hectares altamente produtivos nas grandes áreas metropolitanas, sacrificados no altar da especulação urbanística e nas malhas da corrupção. Todos os anos, a nossa balança de pagamentos soma mais de três mil milhões de euros de produtos alimentares importados. Chegou a hora de inverter o rumo.
A sustentabilidade agrícola requer as seguintes orientações estratégicas, por parte das comunidades, países e organizações internacionais:
a)- Promoção dos mercados de produção e consumo locais, aumentando a soberania alimentar dos países e a autonomia das regiões e centros urbanos;
b)-Protecção e promoção da biodiversidade, nomeadamente através da difusão das técnicas produtivas, amigas do ambiente, genericamente designadas por "agricultura biológica;
c)- Internalização dos custos ambientais, para permitir que o preço dos alimentos traduza os impactes ambientais efectivos da sua produção, levando o mercado a premiar as condutas ambientais mais adequadas;
d)- Revisão das políticas fiscais e de subsídios, no sentido de estimular a iniciativa privada no domínio das práticas agrícolas ambientalmente mais correctas;
e)- Promoção da mudança, ou conservação, de hábitos culturais e estilos de vida ambientalmente positivos, tanto na alimentação como nas técnicas produtivas;
f)- Percepção da ameaça global para a paz internacional que o agravamento da crise alimentar poderá significar.
g)- Capacidade de desenhar com Espanha, e outros países fora da EU, estratégias de abastecimento do país, em caso de ruptura da Zona Euro.
NA ENCRUZILHADA
O regresso à Terra é também o regresso ao Mar. Numa altura em que a Europa parece possuída por um demónio suicidário, Portugal deverá ser um factor de racionalidade. Só o federalismo integral serve o interesse nacional.
Se a Europa se desmoronar estrepitosamente, a tarefa inicial dos portugueses, e dum governo que os represente e os defenda, será não sucumbir à fome.
O país não pode ficar desprovido de meios navais para proteger a sua Zona Económica Exclusiva, nomeadamente, os recursos piscícolas, que são um dos sustentáculos da nossa alimentação.
Os tempos que nos espreitam não prometem nada de bom. Não nos podemos fiar em milagres que, são raros no mundo, e ainda mais escassos na Europa. A prioridade da segurança aumentar deveria ser indiscutível. Mais do que nunca só a inteligência, a coesão nacional e a coragem, nos salvarão não só da fome, mas também da indigência e da indignidade, que matam a alma, mesmo que o corpo sobreviva.
VIRIATO SOROMENHO MARQUES
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