Historicando

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03 junho 2013

À esquerda nada de novo?

Na quinta-feira, realizou-se na Aula Magna uma conferência (eufemismo para designar um acto político contra as políticas do actual governo), sob o lema "Libertar Portugal da Austeridade", promovido por Mário Soares, e que juntou na mesma mesa, como oradores, representantes dos três partidos que se reclamam da "esquerda", seja isso o que for PS, PCP e BE e dirigentes das duas centrais sindicais - o que não é irrelevante. Desta reunião pública, onde se destacou, também, o reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa, como arauto de novas, mas vagas esperanças, há duas ilações mais visíveis a tirar.
A primeira tem a ver com o promotor da reunião, Mário Soares. Indomável, em 2013, depois de intervir mais de meio século na nossa vida política, sem pausas, nem retiros, continua a bater-se pelas suas convicções, pelo que acredita que melhor serve os portugueses, com a mesma firmeza e empenho com que o fez nos dias em que tomou conta da rua, em 1975, já lá vão quase quarenta anos, na Alameda, contra a unicidade sindical exigida pelo PCP. Só Mário Soares era capaz de reunir no mesmo abraço "todos os portugueses honrados" contra este governo, desde o PCP ao PSD, sob o olhar condescendente de Vasco Pulido Valente, que fez questão de estar presente, tratando José Pacheco Pereira por camarada (talvez por lapso, mas com toda a propriedade), elogiando a postura social-democrata de Sá Carneiro, e recebendo aplausos de toda a sala, o que não é irrelevante, sobretudo nos dramáticos tempos que correm, por cá e na Europa.
Sabemos - e esta é a segunda ilação - que este encontro, na Aula Magna, independentemente dos esforços do seu promotor, se esgotou no momento do seu encerramento, apesar de não deixar de limar algumas arestas, pelo menos no domínio do simbólico, no profundo contencioso da "esquerda" portuguesa. E, na passada, lançar algum pânico na direita mais troglodita, hoje no poder. O passado, as soluções propostas no presente e as aritméticas eleitorais determinam os comportamentos políticos de socialistas e comunistas, e o Bloco não consegue, por razões óbvias, fazer a ponte entre os dois.
António José Seguro teme - com razão - que qualquer aproximação aos comunistas reduza o potencial eleitorado socialista, que lhe permitirá ganhar folgadamente as próximas eleições, enquanto Jerónimo de Sousa não pode abalar as motivações dos seus eleitores, "educados" nos últimos trinta e tal anos a olhar os socialistas como os algozes da sua "revolução". A desconfiança, senão mesmo o desprezo, com que António José Seguro e Jerónimo de Sousa viram esta conferência é disso prova, o que significa que à "esquerda" não há nada de novo, desde a gigantesca manifestação dos socialistas na Fonte Luminosa, em 1975, até ao voto dos comunistas e bloquistas, ao lado do PSD e do CDS-PP, há dois anos, para derrubar um governo socialista e abrir caminho ao PSD e ao grupo neoliberal de Passos Coelho.
Na realidade, todos os partidos de "esquerda" têm culpas no cartório e enquanto não surgirem soluções inovadoras à "esquerda" que mobilizem os cidadãos para um projecto coerente que se constitua como alternativa ao projecto que a direita impõe a todos os povos europeus, a possibilidade de unir, numa frente, os "partidos de esquerda", não passa de um mito político, alimentado por um romantismo serôdio de almas bem-intencionadas. A situação na Europa, a presente e a futura, exige um esforço de mudança, mas o passado funciona como uma pedra tumular.
Quando os comunistas europeus "descobriram", em 1935, através do relatório de Dimitrov, apresentado ao Congresso da Internacional Comunista, que "os governos burgueses" não são todos iguais e apelou à frente única com os socialistas e sociais-democratas contra o fascismo, já era tarde. Hoje, em Portugal, ainda estamos no tempo em que os comunistas derrubam os governos socialistas para permitir a ascensão da direita mais reaccionária e troglodita. Espero que venham aí tempos melhores, enquanto é tempo.
Tomás Vasques, Jurista
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