Historicando

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09 abril 2013

Um pretexto colossal


Não constituiu surpresa a resposta do PM: de fortemente fragilizado passou a ter um "pretexto colossal" para finalmente concretizar as medidas violentas nas funções sociais do Estado que o acompanham (ou aos seus mentores) desde sempre.
Os acontecimentos ocorridos em poucos dias - desde a moção de censura apresentada pelo Partido Socialista até à comunicação ao país por parte do primeiro-ministro (PM)- foram acompanhados de uma forte dramatização.
Não se justifica a repetição das ideias que aqui transmiti em Março. Um mês atrás apenas estava em aberto, na minha opinião, o alcance do Parecer do Tribunal Constitucional (TC) e o seu efeito sobre a implementação das medidas constantes do relatório apresentado pelo FMI para a célebre - e falsa - reforma do Estado.
Em campanha eleitoral, o futuro PM deu inequívocos sinais que as funções sociais do Estado estariam na mira do seu futuro governo. Referiu a importância de um reforço do papel dos privados - como se neste caso não houvesse despesa pública - e colocou em discussão a necessidade de uma revisão da Constituição da República.
Passados vinte e dois meses de governação, ninguém tem dúvidas - mesmo no seio do PSD - que a estratégia imposta pelo Memorando de Entendimento conduziu o país a um estado económico e social sem paralelo em democracia. Se a estratégia da Troika tinha erros de concepção para um país da Zona Euro, se estava "mal desenhada" para as características e problemas portugueses, certo é que o PM adoptou-a como programa de governo. Teve de a reforçar com mais medidas de austeridade por uma razão simples: o défice público e a dívida pública têm subido todos os anos. A segunda ultrapassaria este ano o limite definido como insustentável para o FMI. O Orçamento do Estado para 2013 já se encontrava fortemente desactualizado nas suas previsões quando entrou em vigor e integrava diversas medidas que dificilmente seriam totalmente validadas pelo TC.
As dificuldades económicas e sociais, a fragilidade interna do próprio governo e a multiplicidade de sinais que normalmente são associados ao "fim do ciclo" existiam antes de sexta-feira. O PM estava fragilizado e teria de ter a noção (bem como o seu ministro das Finanças) que o regresso aos mercados poderia estar distante, que a austeridade não tinha fim à vista e, por conseguinte, o crescimento económico e o emprego continuariam a ser uma miragem.
O TC é soberano nas suas decisões, tal como em todos os Estados de Direito, e o impacto financeiro das normas orçamentais consideradas inconstitucionais, se considerado em termos líquidos da receita fiscal acrescida, ficou aquém do que muitos esperavam. O drama não está (nem poderia estar), portanto, no Parecer do TC, mas na realidade objectiva que já existia e num governo que preferiria actuar sem restrições.
0 Presidente da República (PR) reagiu como se esperava, isto é, aceitar a continuidade de uma estratégia e de mais sacrifícios para os portugueses. Tudo o que suavemente tem vindo a criticar. Nada de novo, também, para quem quer terminar o seu mandato sem dar um sinal inequívoco de que existe.
Não constituiu surpresa a resposta do PM: de fortemente fragilizado passou a ter um "pretexto colossal" para finalmente concretizar as medidas violentas nas funções sociais do Estado que o acompanham (ou aos seus mentores) desde sempre. Nem tem de pensar muito: tem quase 12 mil milhões de cortes de despesa no relatório do FMI. A ameaça é simples: a necessidade de um segundo resgate. Claro que nunca o assumiria, mas este já era provável.
MANUELA ARCANJO, Professora universitária (TSEG) e investigadora. Economista.
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