Historicando

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09 abril 2013

A União Europeia e a 'troika'


A profunda degradação da vida portuguesa, que afecta progressivamente o valor da confiança em que se baseia a convergência de esforços entre sociedade civil, governo, e conjuntura internacional, está a agudizar a questão da necessidade eventual, contra a prudência não abandonável, no que respeita à exigência de eleições gerais. Se a degradação interna aponta em qualquer Estado para a quebra de confiança na relação governo e sociedade civil, o que eventualmente exige eleições, a afirmada credibilidade externa recomenda prudência até ao sacrifício suportável da sociedade civil, hoje com sinais de desespero. Existe aqui uma dúvida não esclarecida que é a de saber em que medida a credibilidade externa não está indissoluvelmente ligada ao facto de os responsáveis internos estarem a desempenhar um procedimento que é o recomendado pelos gestores do misterioso mercado que rege a crise mundial, e aos quais não perturba a desagregação da sociedade civil dos europeus marginais, pobres, e em regime de protectorado.
A observação de tão perplexa situação, a relação da credibilidade externa com a degradação do valor interno da confiança, parece ter um ponto crítico de relacionamento que são as eleições próximas na Alemanha, e a manutenção da chanceler inspirada pela vocação directória do Norte sobre o Sul europeu. Os comentários de uma ligeira antropologia de salão sobre a identificação deste Sul, que esteve cinquenta anos de guerra-fria presente no esforço de derrubar o Muro de Berlim, tem pouco ou nada que ver com a concepção de governo da Europa, que os sacrificados líderes europeus da guerra quiseram entre povos iguais, e tudo com uma tradição que os sacrificou em duas guerras mundiais que viveram, e a que sobreviveram, a qual julga mais apropriado o directório.
Por muito que os resultados contrariem as previsões sempre desmentidas do regime imposto à recuperação orçamental do Sul, com a extrema manifestação de expropriação imposta a Chipre, com inquietação justificada para todos os pobres do Norte do Mediterrâneo, não parece, até agora, que sejam esses erros que venham a influenciar o rumo da vigilante troika. Ela não está encarregada senão de fazer cumprir o plano traçado, que formalmente se chama acordo ou tratado, como já foi prática em passados tempos imperiais, que usavam a mesma semântica para salvaguardar uma decência protocolar. O facto é que o ponto crítico deste processo que torna infelizes todos os povos do Sul europeu só parece dar esperança de revisão, abandonando a mensagem das estatísticas para escutar as queixas dos sacrificados povos, quando as eleições da Alemanha, e com elas o Parlamento alemão e o seu sempre autorizado tribunal constitucional, decidirem se é para continuar ou para repensar. Que a passividade perante esta situação seja a mais indicada para os Estados que escreveram e assinaram esses acordos, antes de criticarem um desenho mal imaginado, segundo algumas actuais confissões discretas e magoadas, parece antes um excessivo respeito para tal desenho em face do total desrespeito das suas consequências para com os princípios fundamentais e estruturados da União.
Se alguma coisa ensinou a conjuntura desordenada em que o mundo vive, foi que o poder dos fracos contra o forte sai muitas vezes recompensado pelos resultados. E neste caso, já são tantos os países atingidos pela crise em primeiro lugar, e pelo remédio decretado para a crise em instância que se apresenta sem recurso, que uma atitude concertada, urgente, e firme parece apropriada antes que o desastre seja a recompensa da submissão.
Não se trata apenas de um país, que é o nosso, e isso já é justificação suficiente, trata-se do projecto europeu, trata-se da decadência da Europa e do Ocidente, trata-se da vida digna dos povos e das pessoas que não estiveram nas causas da situação, mas estarão, e já estão, no consequencialismo de políticas a que foram inteiramente estranhas, quer nas eleições, quer nos seus parlamentos, quer na sua opinião pública possível. Todos sofrendo as consequências da política furtiva da Europa. Com a qual política é necessário acabar.
ADRIANO MOREIRA, Professor universitário
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