Historicando

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19 dezembro 2012

É rasteiro ganhar na secretaria


Em acto falhado, ou talvez não, Pedro Passos Coelho foi claro: não vale a pena perder tempo com a Constituição, disse. Sabendo que não a pode mudar formalmente, passou ano e meio a revê-la na secretaria, rasteiramente. A troika foi o escudo, a mentira despudorada a arma. A “secretaria” povoou-se de assessores e especialistas, com suplementos remuneratórios escandalosos. Só ele, no seu gabinete, tem 67 actores, que custam um milhão e 800 mil euros por ano. Nenhum, certamente, o aconselhará a pedir desculpa aos portugueses, depois do terrorismo verbal que usou no encerramento do congresso da JSD. Não se contentou com o atropelo grosseiro da Constituição no que toca à perseguição aos reformados, com carreiras contributivas de toda a vida. Quer agora ganhar na secretaria, por antecipação, a batalha constitucional que se vai seguir, manipulando, pondo jovens contra seniores, activos contra pensionistas. Simplesmente deplorável. Valer-lhe-á um presidente surreal, que seja, do mesmo passo, a favor e contra? Contará com mais um acórdão virtual do Tribunal Constitucional, que lhe permita corrigir um atropelo com novo atropelo, sem real produção de efeitos e num resvalar perigoso da prevalência do direito para a preponderância da “secretaria”? Quando o “número um” e o “número dois” descem tão baixo, é natural que o exemplo se cole à pele dos “números” que se seguem na hierarquia da “secretaria”.
Transcrevo uma passagem (edição de “Regra do Jogo”, 1981, págs. 37 e 38):
“… a secretaria, toda a secretaria da mais baixa à mais alta, não é, como se supõe, o lugar onde se faz, mas o lugar onde se não faz, onde se sonega, onde se põe por baixo do monte o papel que devia estar em cima, onde se perdem os papéis, onde se dificulta, se atrasa, se mente, se mexerica, se intriga, se afirma desconhecer o que se conhece e conhecer o que se desconhece; na secretaria se começa a deixar de fazer aquilo para que a secretaria foi feita … e se passa a fazer o que convém à secretaria que se faça …”.
Modere-se a ideia citada, despindo-a de uma generalização que considero abusiva, tomemos “secretaria” por aparelho administrativo e burocrático que serve o poder político e não nos faltarão factos emblemáticos para ver como tal ideia é actual.
Por Santana Castilho -  Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)