Uns por convicção, outros por tradição. Muitos católicos optam, hoje, por se abster de comer carne, optando por se alimentar de peixe. Em dia de Sexta-Feira Santa, a Igreja Católica recomenda, na sua doutrina tradicional, que os crentes recordem a morte de Jesus também através da alimentação. Mas o que tem o peixe a ver com o facto de Jesus ter morrido?Num estudo sobre as origens desta tradição, o teólogo Cyrille Vogel (em Eucharisties d"Orient et d"Occident, ed. Cerf, Paris), propõe que o peixe, mais que um substituto da carne, era, entre os primeiros cristãos, um elemento de uma refeição sagrada. Possivelmente, uma tradição herdada do judaísmo, em primeiro lugar, e de outras religiões.
No caso cristão, o peixe como "alimento sagrado" está também fortemente filiado em várias das refeições de Jesus contadas nos evangelhos - e, em especial, nas refeições após a ressurreição, quando Jesus se encontra com os seus companheiros mais próximos. Terá sido na Síria, diz Vogel, que pela primeira vez o peixe como simbólica cristã foi introduzido. "Olha-se muitas vezes para o cristianismo como religião do sofrimento, do sacrifício e da reparação", diz João Eleutério, padre e professor de Teologia dos Sacramentos na Universidade Católica, referindo-se à proposta tradicional da abstinência. "Mas o ponto de partida devem ser as refeições pascais de Jesus, após a ressurreição. É sobretudo a liberdade de Jesus, na entrega que ele livremente faz de si mesmo, que está em causa, e não um qualquer fatalismo."Terá sido Tertuliano (180-220 d. C.), um cristão romano que não conhecia o judaísmo, a travestir a tradição e a propor a abstinência de carne como alimento. Já em meados do século V, Eznik de Kolk escreve que, como Jesus comeu peixe depois de ressuscitar, os cristãos devem seguir-lhe o exemplo. O peixe tinha outro simbolismo entre os cristãos: a palavra grega, ichthys, servia de acróstico para Iesus Christus Theos Yctis Soter, ou seja, Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. A evolução histórica e a codificação normativa fizeram o resto e o peixe, em vez da carne, passou a ser a norma para os dias de jejum e abstinência obrigatórios - hoje limitados a Quarta-Feira de Cinzas (primeiro dia da Quaresma, o tempo de preparação da Páscoa) e a Sexta-Feira Santa. Em dois documentos, de 1982 e 1985, a Conferência Episcopal Portuguesa diz que "a abstinência consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre". Mas o texto oscila, depois, recordando que "a sua concretização na disciplina tradicional da Igreja é a abstenção de carne". O padre Pedro Ferreira, director do Secretariado Nacional de Liturgia, da Igreja Católica, afirma que o espírito deve ser o de se abster de comer "alguma coisa em benefício de outro mais necessitado". Reconhecendo que falta uma pedagogia mais contemporânea, João Eleutério concorda: "Estamos presos a uma tradição, precisamos de entrar na lógica de que queremos fazer determinado gesto por opção positiva, por oblação, e não como sacrifício no mau sentido."
Público, 21/03/2008
No caso cristão, o peixe como "alimento sagrado" está também fortemente filiado em várias das refeições de Jesus contadas nos evangelhos - e, em especial, nas refeições após a ressurreição, quando Jesus se encontra com os seus companheiros mais próximos. Terá sido na Síria, diz Vogel, que pela primeira vez o peixe como simbólica cristã foi introduzido. "Olha-se muitas vezes para o cristianismo como religião do sofrimento, do sacrifício e da reparação", diz João Eleutério, padre e professor de Teologia dos Sacramentos na Universidade Católica, referindo-se à proposta tradicional da abstinência. "Mas o ponto de partida devem ser as refeições pascais de Jesus, após a ressurreição. É sobretudo a liberdade de Jesus, na entrega que ele livremente faz de si mesmo, que está em causa, e não um qualquer fatalismo."Terá sido Tertuliano (180-220 d. C.), um cristão romano que não conhecia o judaísmo, a travestir a tradição e a propor a abstinência de carne como alimento. Já em meados do século V, Eznik de Kolk escreve que, como Jesus comeu peixe depois de ressuscitar, os cristãos devem seguir-lhe o exemplo. O peixe tinha outro simbolismo entre os cristãos: a palavra grega, ichthys, servia de acróstico para Iesus Christus Theos Yctis Soter, ou seja, Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. A evolução histórica e a codificação normativa fizeram o resto e o peixe, em vez da carne, passou a ser a norma para os dias de jejum e abstinência obrigatórios - hoje limitados a Quarta-Feira de Cinzas (primeiro dia da Quaresma, o tempo de preparação da Páscoa) e a Sexta-Feira Santa. Em dois documentos, de 1982 e 1985, a Conferência Episcopal Portuguesa diz que "a abstinência consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre". Mas o texto oscila, depois, recordando que "a sua concretização na disciplina tradicional da Igreja é a abstenção de carne". O padre Pedro Ferreira, director do Secretariado Nacional de Liturgia, da Igreja Católica, afirma que o espírito deve ser o de se abster de comer "alguma coisa em benefício de outro mais necessitado". Reconhecendo que falta uma pedagogia mais contemporânea, João Eleutério concorda: "Estamos presos a uma tradição, precisamos de entrar na lógica de que queremos fazer determinado gesto por opção positiva, por oblação, e não como sacrifício no mau sentido."
Público, 21/03/2008