Todos os analistas internacionais sérios o afirmam – ou há uma qualquer mutualização da dívida, reduzindo o seu encargo para níveis decentes, ou há um perdão parcial, ou as duas coisas juntas. A alternativa é a saída do curo, com consequências dramáticas para Portugal e para a EU.
1. Desenganem-se os que pensam que a economia e as finanças são uma mesma coisa, no campo público como no privado. Os dois domínios estão associados, sem dúvida, mas nem sempre vivem em harmonia Quantas empresas economicamente viáveis sucumbiram à má tesouraria?
Quantos países foram esganados pelos ditames da finança? Os exemplos são mil. Portugal será mais um.
Por mais que empreendamos, que demonstremos crença e capacidade de sofrimento, o nosso destino está traçado pelos credores internacionais – agacharmo-nos até se nos verem os fundilhos. Ainda que a nossa economia saia do vermelho (o que é duvidoso, face às políticas governamentais e ao contexto europeu), o estado das nossas finanças não parará de se degradar, a menos que ocorra uma ruptura no actual sistema.
É vexatório e humilhante depender da tríade, sim, como disse Paulo Portas. Pior é capitular perante a ganância e a miopia dos seu principais instigadores – os irrepreensíveis protestantes do Norte da Europa, Alemanha à cabeça. Essa mesma Alemanha que tem nos dois estados do Sul (Baviera e Baden- Wiirtemberg), por acaso de maioria católica, os que mais contribuem para o equilíbrio das contas nacionais.
Essa mesma Alemanha que tira partido das dificuldades da Europa meridional, capturando depósitos e beneficiando em mais de 40 mil milhões de euros com a redução das suas taxas de juro na dívida soberana, algo que só a ausência de mecanismos monetários federais possibilita Mas está muito preocupada, dizem-nos, com o que pode vir agastar nos países sob resgate.
É aqui, na dívida pública, que se encontra o nosso principal nó, o nosso desfuturo. Com as actuais regras, para que o ratio dívida pública/PIB não se agravasse teríamos de exibir, nas contas públicas, um saldo primário nulo e um crescimento económico sustentado superior ao do custo médio da dívida (na ordem dos 3,9%, por enquanto).
É a impossível quadratura do círculo. A redução da despesa pública à custa de salários, subsídios e pensões pouco mais poderá esticar, e quanto mais estique mais a procura interna, o produto, o investimento e o emprego se contraem. Não será certamente a procura externa, de contornos incertos, a solução milagrosa para alcançarmos uma taxa de crescimento económico ímpar no espaço europeu, mesmo que o nosso tecido produtivo tivesse capacidade para tal.
Todos os analistas internacionais sérios o afirmam – ou há uma qualquer mutualização da dívida, decentes, ou há um perdão parcial, ou as duas coisas juntas. A alternativa é a saída do euro, com consequências dramáticas para Portugal e para a UE. Enquanto não chegar o dia do juízo final, recorreremos a um programa "cautelar", depois outro e mais outro. Com a dívida sempre a aumentar.
2. Há quem pense que as famosas quatro páginas da "reforma do Estado" já produzidas por Paulo Portas acabarão por dar corpo a um plano consistente de modernização e contracção da máquina pública. Desenganem-se. Dali resultará o mesmo que à "reforma" de Vítor Gaspar. Mais de dois anos volvidos sobre a sua ascensão ao poder, a actual maioria revela-se incapaz de produzir uma só ideia acerca da racionalização do aparelho de Estado. Nem sequer o programa de desburocratização encetado pelo governo anterior teve a inteligência de prosseguir.
Vítor Gaspar queixava-se de falta de tempo, que a matéria exigia estudo, e dizia que, ao cabo de dois ou três anos, aí sim, já estaria em condições de avançar com algo de visível. Não teve tempo, como se sabe.
Álvaro tinha boas intenções, anunciou uma reforma do sistema de licenciamento industrial, a implementar em poucos meses. Também ele não teve tempo. Agora, à falta de melhor, o governo lançou o mote dos decisores públicos "despachados". Se houver tempo, ainda assistiremos à "requalificação" dos funcionários à luz deste critério moderno e eficiente. As tantas, a reforma do Estado vai-nos entrar porta adentro e nós, cegos, nem nos apercebemos.
LUÍS NAZARÉ, Economista; Professor do ISEG
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