Na realidade, a dinastia do ramo hispânico dos Habsburgos, ficou em Portugal conhecida como Filipina, por todos os monarcas se chamarem Filipe.
Quando em 1578 sob o comando do rei D. Sebastião, Portugal foi derrotado na batalha de Alcácer Quibir, ficou sem rei ou sucessor ao trono.
Durante dois anos o trono foi ainda ocupado pelo Cardeal -Rei D. Henrique, mas os direitos de Filipe II de Castela (o monarca Habsburgo era primo de D. Sebastião e portanto neto de D. João III) por um lado e o seu dinheiro por outro, levaram a que grande parte da nobreza portuguesa aceitasse o domínio de um rei estrangeiro.
É importante realçar que não deixa de ser verdade que Portugal continuou separado dos restantes reinos da família Habsburgo, como também não é absolutamente verdade que tivesse existido na península ibérica uma monarquia dual, como alguns historiadores a chamam. A monarquia dos Habsburgo controlava inúmeros estados, todos eles separados entre si. Portugal não era diferente da Catalunha, da Flandres, de Castela, de Navarra, de Nápoles ou de Valência, mas cada um desses países era independente dos outros.
A monarquia dos Habsburgo, era provavelmente mais parecida com uma União Europeia, que efectivamente com um país.
Essa completa separação de estados alinhavados uns aos outros por ténues laços, era considerado o grande calcanhar de Aquiles da monarquia, e acabaria por ser a principal razão da sua decadência.
Para evitar a continua fricção entre os vários reinos, principados, e regiões, a solução passava pela submissão de todos eles a um único rei com um único governo. Isso levou a que se iniciasse uma politica de centralização administrativa, que entrava em conflito com os direitos jurados pelo monarca em cada um dos reinos da coroa.
No caso português, na corte de Tomar em 1581, D. Filipe I, (Felipe II em Castela) prestou juramento como rei de Portugal, mas o seu neto, Filipe III (Felipe IV de Castela) fez letra morta do juramento do seu avô.
Do ponto de vista jurídico, ao violar o juramento que Filipe I tinha feito em 1581 perante as cortes de Tomar, Filipe III perdeu a legitimidade para governar Portugal, legitimidade essa que dependia do cumprimento das obrigações a que se tinha obrigado por juramento.
Quando em 1640 os nobres portugueses, muitos deles desiludidos com o não cumprimento das promessas dos monarcas decidem revoltar-se, eles não tomam uma decisão original.
Na verdade, nesse mesmo ano de 1640, durante o Verão, um outro país da península ibérica decidiu revoltar-se contra exactamente o mesmo estado de coisas e expulsar a família real dos Habsburgo.
A monarquia hispânica está envolvida na chamada guerra dos trinta anos e se não tem na altura meios eficazes para esmagar a revolta na Catalunha, muito menos os tem, para debelar a revolta em Portugal.
O aumento da tensão entre a coroa dos Habsburgos em Madrid e a burguesia catalã de Barcelona, que tinha vindo a crescer desde havia uma década, levou a uma revolta que conduziu à separação do condado da Catalunha (parte da Coroa de Aragão) no Verão de 1640. A Catalunha pede auxilio ao rei de França para lutar contra os castelhanos, que eram o núcleo e o principal poder na península ibérica.
Para debelar a revolta da Catalunha, o monarca manda que se mobilize a nobreza dos restantes reinos, especialmente a portuguesa, com o objectivo de atacar os catalães.
A ordem de mobilização chega em 24 de Agosto, e todos, mesmo D. João II, Duque de Bragança deveriam comparecer perante o rei.
Em Portugal os nobres recusam-se e pressionam o mais rico e influente representante da nobreza portuguesa - exactamente o Duque de Bragança - para que aceite chefiar uma revolta para voltar a colocar uma monarca português no trono em Lisboa, terminando assim o período de União Ibérica. A revolta deveria impedir que com os planos de unificação forçada do Primeiro-ministro Conde -Duque de Olivares o país e a sua autonomia perante a coroa em Madrid fossem destruídos.
A nobreza pressionou o Duque de Bragança, o neto de Catarina de Bragança (a pretendente ao trono que em 1580 tinha mais legitimidade), quando Filipe II de Castela tomou o lugar de rei, após ter subornado grande parte da nobreza portuguesa.
O Duque, de 36 anos de idade, tinha assumido o lugar do pai, havia apenas dez anos e vivia em Vila Viçosa. Os nobres chegaram a ameaça-lo com a implantação de uma república de nobres, à imagem de Veneza, o que colocaria em causa as suas propriedades por todo o país.
Na verdade o Duque tinha pouco a ganhar com uma revolta contra Filipe III, pois afinal era o homem mais rico de toda a península ibérica e muita da sua riqueza e poder tinha sido conseguida com o apoio do rei em Madrid, que pretendia controlar qualquer veleidade do Duque. Pode-se mesmo afirmar que Filipe III (Felipe IV de Castela) tinha confiança no Duque de Bragança, ao ponto de o ter nomeado comandante militar de Portugal.
Esta nomeação foi igualmente determinante para o sucesso da revolução.
Os nobres tiveram também todas as cautelas para não transformar a revolução de 1640 numa revolução de cariz popular. O golpe teria que ser dado, e só depois disso se deveria informar o povo de Lisboa, quando a situação já estivesse sob controlo.
Em Lisboa, quem garantia o poder real, era a duquesa de Mântua que tinha o cargo de Vice -Rainha, e era prima de Filipe III, tendo sido designada para o lugar, em completa contravenção com o compromisso assinado 60 anos antes por Filipe I.
Quem protegia militarmente a administração, eram mercenários católicos de origem alemã, que eram um dos principais esteios do poder militar da decadente coroa dos Habsburgos.
Ao despontar do dia 1 de Dezembro de 1640, o que deve ter acontecido por volta das 07:00 horas entra no palácio real cerca de 40 nobres portugueses, conhecidos pelos «conjurados», que rapidamente controlam a guarda tudesca (Os militares de origem germânica eram conhecidos como tudescos, palavra derivada do termo italiano «tedeschi», que designa alemão). Procuram o secretário de estado Miguel de Vasconcelos cuja morte tinha sido inicialmente determinada. Executam-no, e obrigam pela força a duquesa de Mântua a ordenar a rendição das forças fiéis ao monarca Habsburgo no castelo de São Jorge e nas fortalezas que defendem o rio Tejo, a torre de Almada e a torre de Belém.
Só por volta das 10:00 horas da manhã é que o povo de Lisboa tem conhecimento do sucedido, já o duque de Bragança é Rei de Portugal.
Embora guiada e conduzida pela nobreza portuguesa, a revolução tem uma aceitação total. Em todo o país quando se conhece a boa nova da destituição da duquesa e do fim do domínio dos Habsburgos, há movimentações de regozijo. As várias cidades do país declaram o seu apoio a D. João IV em poucos dias. No dia seguinte pela manhã, 2 de Dezembro, a notícia chega a Setúbal, onde a população cerca a fortaleza de São Filipe, onde se encontrava uma guarnição de italianos e alemães e é tomada a fortaleza do Outão, garantindo assim a protecção de Lisboa contra eventuais desembarques.
O duque de Bragança só chega a Lisboa no dia 6 de Dezembro para ser aclamado rei, com o título de D. João IV. Nas duas semanas que se seguem - todo o país - nobres e municípios, se declara por D. João IV, sem que seja disparado um único tiro.
Quando a notícia começa a chegar ao reino de Castela os estudantes portugueses da universidade de Salamanca abandonam a cidade e voltam a Portugal para se alistarem no exército.
Já os nobres portugueses que se encontravam em Madrid dividem-se em dois grupos.
Enquanto uma parte junta os seus haveres e volta para Portugal, outra parte acabará por preferir as vantagens e o dinheiro que a sua presença na corte madrilena lhes davam, não retornando a Portugal e mesmo lutando contra a independência do seu próprio país.
A seguir a 1 de Dezembro são tomadas medidas para por o país em pé-de-guerra. Grande parte da economia encontra-se completamente destruída. As guerras e os impostos lançados pela monarquia da casa de Áustria tinham destruído ou arruinado sectores inteiros da economia, especialmente aqueles que viviam das exportações para a Inglaterra e para a Flandres.
A situação de Portugal em 1640, era de absoluta miséria. O dinheiro que 60 anos antes se esperava viesse de Madrid para ajudar a recuperar uma economia mal gerida e infestada pela administração corrupta no tempo de D. Sebastião e seus antecessores nunca se materializou e o «Hispanismo» deixara o país numa crise sem precedentes.
Mesmo os mais férteis campos portugueses, estavam tomados por urzes e ervas daninhas. O país estava decrépito e decadente e à beira da ruína. O primeiro-ministro do rei castelhano - o Conde -Duque de Olivares - tinha estudado bem a questão, e Portugal estava numa situação de decadência tal, que deveria aceitar a absorção pela coroa castelhana sem grandes dificuldades.
No entanto, contra todas as expectativas, contra muitas previsões e contra a própria lógica, o país resistiu e ainda hoje é difícil entender como o conseguiu fazer.
Embora a historiografia espanhola tenha criado o mito do apoio dos ingleses a Portugal, esse apoio nunca passou de um mito.
Portugal encontrava-se completamente sozinho, com os países católicos a apoiarem o governo de Madrid, com o Papa a não reconhecer Portugal, e com os países protestantes nada interessados na paz com Portugal, estando muito mais interessados em atacar as possessões que ainda eram legalmente portuguesas.
Mesmo arruinado, esfomeado, decadente, o país conseguiu reunir forças para enfrentar exércitos que sabia haviam de chegar, e que sabia serem inevitavelmente muito superiores.
Em 1641 foi votado um imposto extraordinário chamado a décima militar, em que cada cidadão tinha que contribuir com 10% de todos os seus bens, para se levantar a defesa do país.
A contribuição para a defesa do país, foi muito mais pesada que a exigida durante o período dos monarcas Habsburgo. No entanto não existem notícias de quaisquer protestos contra este imposto.
Significativo é também o facto de, logo que foram enviados emissários a todos os territórios da coroa portuguesa, todos eles, com excepção da cidade de Ceuta, cujo governador era castelhano, voltam a hastear a bandeira de Portugal.
Do Brasil, partirão expedições destinadas a expulsar os holandeses de Angola. O Brasil continuará a guerra contra a Holanda, no norte do território.
De Goa, partem militares para posições nas costas de África.
No entanto, a debilidade demográfica implicava a absoluta necessidade de algum reconhecimento internacional, que permitisse a Portugal negociar a Paz com as potências que faziam guerra contra a Espanha.
Essa Paz não foi apenas negociada, ela foi também comprada. Cidades como Bombaim ou Tanger são cedidas em nome dessa necessidade. Também no Brasil, muitos territórios são negociados com a Holanda, que estando apenas interessada no lucro e não na colonização de territórios, concluiu que o dinheiro proposto por Portugal, era mais que o que a Holanda poderia lucrar com o nordeste brasileiro, tendo assim facilitado a retoma daqueles territórios.
A revolução de 1 de Dezembro, continua ainda hoje a ser um símbolo não só da firme vontade dos portugueses de manter a sua independência, como um símbolo da catastrófica tentativa de União Ibérica, que inicialmente parecia um negócio interessante para as elites subsidiárias portuguesas, mas que quase levou à destruição total do país.
A expressão «de Espanha nem bom vento nem bom casamento» ainda hoje lembra aos portugueses as desvantagens das uniões com o seu poderoso vizinho.