Historicando

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06 novembro 2012

'CARTAS-FECHADAS'

Havia nos meados do século passado a prática das mamãs instruírem as suas queridas filhinhas na virtude da ‘carta-fechada’.
‘Carta-fechada’ era sinónimo de as ditas filhinhas pouco ou nada revelarem até o casamento estar consumado!
Isto é, por muito vadias e dissolutas que as queridas filhinhas tivessem sido até certa altura, depois devidamente adestradas passavam por artes mágicas a um poço de virtudes.
Não expressavam nenhum pensamento qualitativamente válido (passavam por acéfalas), não revelavam nada do passado (passavam por desmemoriadas), não mostravam iniciativa emocional (passavam por virgens), diziam trivialidades (passavam por fúteis), falavam constantemente em filhos (passavam por quererem maternidade extremosa), apareciam extremamente bem vestidas (passavam por cuidadosas donas-de-casa, primorosas na cozinha e limpezas), etc.
Como o namoro era sempre na rua, passeios ou na casa dela, debaixo de estreita vigilância da mãezinha, de irmãzinhas, da avozinha, tiazinhas, madrinha, o raio que as parta, as ditas qualidades da amada nunca eram postas em evidência.
Daí o epíteto de ‘cartas-fechadas’ que só se revelavam depois do casório e na singeleza do lar.
Aí, e só aí, é que o tolinho do marido podia e acabava por abrir a ‘carta-fechada’ que já não podia encobrir, nem beneficiar da protecção parental, e ver se o conteúdo da ‘carta-fechada’ correspondia ou não ao que tão sabiamente/ ardilosamente lhe tinha sido contratualizado.
Chegados aqui, os amigos lembrar-se-ão de como acabavam a esmagadora maioria das histórias de que se lembram, quiçá as viveram.
Enganados, tristes, revoltados, desconfiados, desamor, jogo, ‘meninas’, trabalho e mais trabalho insano, duplicidade, esmagados pela tirania eclesiástica que proibia os divórcios, e tantas mais e outras ‘qualidades’ que os varões deste país, por décadas, tacitamente cumpriram.
Então não é que essas velhas e relhas atitudes persistem, apesar de já terem passado mais de 60 anos desde o seu auge, e continuamos com a política/ filosofia da ‘carta-fechada’ adaptada?
Quem está convencida que engana quem? O verdadeiro amor começa quando se pode amar um ser tal como ele é, e não como a imagem que se ‘vendeu’. Há ainda quem acredite que o embrulho influencia – e muito – no conteúdo!