Historicando

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16 janeiro 2013

A vida que a censura não deixou ver


Catembe era o outro lado, literalmente. A outra margem da então Lourenço Marques, hoje Maputo, capital moçambicana. Catembe era o outro lado, metaforicamente. Vila piscatória cujo quotidiano não correspondia à imagem idílica pintada pela propaganda do Estado Novo. Catembe, de Faria de Almeida, a sua primeira e última longa-metragem, foi o filme mais retalhado pela censura na história do cinema português.
Filmado em 1964, mostrava o outro lado, o “lado mais genuíno da vida local”. Retalhado, sobreviveu. Dos seus 87 minutos originais, sobraram 45. Vamos vê-los esta noite, às 19h, na Cinemateca de Lisboa. Numa sessão que conta com a presença do realizador, teremos também oportunidade de ver um pouco do que a censura não queria que víssemos. Onze minutos de cenas cortadas, recuperados pelo realizador. O lado escondido.
Documentário e ficção, a filmagem de uma realidade vivida mas não preservada em película. Começa em Lisboa, com Faria de Almeida perguntando na rua sobre Lourenço Marques. Recebe as respostas de quem só conhecia a cidade através da propaganda do regime: “É na selva e há leões a andar na rua”(?!).
Qual a importância deste Catembe que nunca conheceremos na sua versão original, deste documento retalhado da vida moçambicana colonial? Ao vê-lo, acentua o vice-director da Cinemateca, “descobre-se uma África que se cruzou connosco e que foi muitas vezes silenciada, mas para a qual algumas pessoas estavam despertas”. Maria do Carmo Piçarra chama-lhe “um enorme testemunho, um monumento em que é possível perceber a pequenez e mediocridade de um regime que queria formatar a cabeça dos portugueses”.
A investigadora diz até que, havendo cinema na versão censurada de Catembe, este é ainda mais importante pelo que se tornou enquanto símbolo. “Nós somos a nossa história. Não vivemos hoje em ditadura, mas continua a haver a tentação de dizer aos portugueses como devem ser e o que devem pensar”.
http://www.publico.pt/cultura/noticia/catembe-a-vida-que-a-censura-nao-nos-deixou-ver-totalmente-1580929