José Sócrates está a produzir hoje na política portuguesa um efeito simétrico ao que Cavaco Silva conseguiu há duas décadas. Na década de 80, ao irromper surpreendentemente na cena política com um discurso que transcendia largamente as fronteiras do seu partido, Cavaco cativou a esquerda com um êxito sem precedentes na história do PSD. O seu domínio das finanças públicas, a sua imagem austera, o seu vocabulário expurgado de qualquer vestígio de “politiquês”, a sua preocupação com questões sociais secaram a esquerda, então caracterizada por uma evidente ineficácia e pela mais estéril retórica. Na altura, não faltaram até transferências directas de voto do PCP para o PSD. Vinte anos volvidos, Sócrates produz o efeito contrário: o seu estilo sóbrio, as suas aparições esparsas, a sua imagem de “decisor” e a autoridade que cultiva como imagem de marca seduzem crescentes sectores da direita, tornando inútil o palavreado de oposição formal que emana dos estados-maiores do PSD e do CDS. Com Cavaco no poder, a esquerda teve os piores resultados eleitorais de sempre. Agora, com Sócrates, a direita afunda-se num abismo. Entre as personalidades que Sócrates tem conseguido seduzir incluem-se tradicionais figuras da direita portuguesa, como Freitas do Amaral, Basílio Horta, José Miguel Júdice e Maria José Nogueira Pinto. Duas décadas, o mesmo efeito. E agora a necessidade, à direita, de repensar tudo. Como a esquerda teve que se adaptar à década cavaquista que mudou drasticamente a política portuguesa.
Pedro Correia Segunda-feira, Julho 30, 2007