Historicando

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18 março 2014

O manifesto

Em 1974, o país encontrava-se exangue por 13 anos de guerra, resumindo-se as perspectivas de um jovem a combater no Ultramar, com risco de vida, ou fugir e nunca mais regressar. Até que houve um general que escreveu um livro, no geral um chorrilho de disparates, mas que dizia duas coisas óbvias: a situação era insustentável e não se conseguiria ganhar a guerra. O livro causou escândalo nacional, houve uma reunião de chefes militares em apoio ao governo, e os dois generais envolvidos na sua publicação foram exonerados. Só que, depois de o óbvio ter sido dito, toda a gente percebeu que o regime estava a prazo e, de facto, não durou mais de dois meses.
Hoje, o país também se encontra exangue com uma dívida que não conseguirá pagar, mesmo depois de sacrifícios impensáveis. Os velhos vêem desaparecer todos os dias os seus magros rendimentos e os jovens abandonam o país. O Presidente já anunciou que só com níveis de crescimento nunca antes verificados conseguiremos ver a dívida reduzida para valores aceitáveis em 2035. Não admira, por isso, que tenha surgido um manifesto que, com ou sem disparates, disse também o óbvio: esta dívida é insustentável e a sua reestruturação é inevitável. O manifesto causou escândalo numa série de apaniguados do governo e o Presidente viu-se obrigado a exonerar dois consultores, mas o óbvio também ficou dito. Se a única solução dos nossos governantes é continuar nesta política até 2035, podem começar já a arrumar as secretárias.
Por Luís Menezes Leitão, Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
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