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23 julho 2012

Sines é segura? Os planos de emergência do maior porto industrial do país

Sines tem o maior eixo portuário-industrial e imensa importância económica para o país. Que aconteceria se houvesse um acidente?
A actividade no concelho de Sines é frenética, mesmo quando a economia mundial estagna e a conjuntura nacional é dominada pela recessão. A Administração do Porto de Sines (APS) anunciou na semana passada que o primeiro semestre de 2012 foi o melhor de sempre: movimentou 14,2 milhões de toneladas de carga, um crescimento de 22% face a igual período de 2011. Todos os segmentos de carga contribuíram, com destaque para os granéis sólidos (carvão ou cimento, por exemplo) e líquidos (combustíveis). No Terminal xxI, atingiu-se o recorde de contentores: 260 354, ou mais de 40 mil por mês. Os diferentes terminais do porto – granéis, petroquímico, gás natural liquefeito (GNL) - estão unidos por uma esteira de 8 km de pipelines para a movimentação dos produtos entre o porto e a ZILS (Zona Industrial e Logística de Sines), onde estão instaladas uma refinaria da Galp, duas unidades petroquímicas, uma de resinas, outra de negro de fumo (ou fuligem) e uma central termoeléctrica da EDP, além de várias empresas (Sonae, Cimpor, Repsol). 3 mil pessoas.
Juntos, o Porto de Sines (o que mais cargas movimenta de todo o país) e a ZILS (mais de dois mil hectares) formam o maior eixo portuário-industrial do país, com ambições de crescer cada vez mais – e mais longe, porque o espaço à volta não escasseia. A ubicação em pleno litoral alentejano, num concelho com apenas 14 238 residentes (soma de Sines e Porto Covo) e a escassos 150 km de Lisboa, é absolutamente privilegiada.
E se houvesse um problema? E se um navio, carregado de combustível, sofresse um rombo na baía que viu nascer Vasco da Gama? Ou, pior, se houvesse um incêndio na refinaria que alastrasse para outras unidades da ZILS ou mesmo até ao porto, onde há esferas e tanques com gases e fluidos altamente inflamáveis?
O cenário não é de todo impossível. Aliás, já aconteceu numa escala relativamente pequena: em 1980, o petroleiro Campeón explodiu ao largo de Sines; nove anos mais tarde, o Marão derramou 4500 toneladas de crude e, em 1994, o incêndio na refinaria fez 11 feridos e danos materiais "ligeiros". Tudo depende das circunstâncias e proporções, mas sobretudo de dois factores decisivos: prevenção e resposta imediata.
Incêndio na refinaria
"Mesmo num dia normal, uma unidade petroquímica é uma bomba-relógio", diz um antigo inspector de refinarias e unidades químicas, citado pelo norte-americano Alan Weisman. (…)
A opinião do antigo inspector é partilhada por Maria José Roxo, professora de Catástrofes Ambientais. "A população de Sines vive rodeada de uma enorme bomba. Um incêndio seria desastroso", admite. A geógrafa da Universidade Nova de Lisboa destaca a importância crítica da resposta imediata para conter os danos e evitar o temido efeito dominó. Roxo gostaria de saber, entre muitas outras questões, "até que ponto o complexo tem planos de prevenção e combate" e "de que maneira o sistema de segurança está montado e testado".
A refinaria tem um plano de emergência interno e um relatório de segurança, um documento obrigatório para instalações de "nível superior de perigo". Em caso de incêndio ou acidente grave, o director da reinaria, José Catarino, afirma que entrariam em acção os chamados "sistemas de mitigação, que mais não são do que barreiras de água activadas automaticamente como resposta a determinado alarme". Outro dispositivo para evitar o efeito dominó é o emergency shut down, "que permite parar as unidades em condições controladas".
Catarino diz que "há, em permanência, 13 pessoas devidamente treinadas" e oito viaturas "de diferentes tipologias", incluindo uma ambulância. Por fim, há vários tipos de exercícios (simulação, inspecção e modelação de cenários de emergência, entre outros) no âmbito da Prevenção de Acidentes Graves.
Se, mesmo assim, o fogo avançasse, seria activado o plano de emergência externo - inédito até à data - coordenado, segundo a lei "pelo chefe da primeira força a chegar".
A ZILS conta também com um aeródromo - para evacuação de feridos - mas quer a câmara municipal quer os bombeiros de Sines desconheciam a existência deste equipamento. O segundo aeródromo mais próximo é o de Beja, a 120 km de Sines. Mais perto, a 16 km, fica o Hospital do Litoral Alentejano (HLA), que não seria, porém, o primeiro destino dos feridos. Numa eventual catástrofe, o INEM seria contactado pelo posto médico da refinaria e montaria um hospital de campanha o mais perto possível. "No SNS trabalha-se em rede", explica Adelaide Belo. A presidente do HLA dá um exemplo: se houvesse queimados, "o hospital teria capacidade para prestar os primeiros cuidados". Se o problema estivesse relacionado com produtos tóxicos, o HLA tem uma Unidade de Cuidados Intensivos que, uma vez esgotada, devia encaminhar os doentes "para onde houvesse vagas". Há também um plano de catástrofe interno que utiliza a triagem de Manchester, um programa com um algoritmo próprio para organizar emergências.
Derrame no porto
Segundo a APS, "desde 1970 houve 22 acidentes graves de poluição com hidrocarbonetos na costa portuguesa", três deles em Sines. Sete anos depois da explosão do Campeón, o navio-tanque Nisa rebentou durante uma operação de descarga "poluindo as praias de Sines, São Torpes, Porto Covo e ilha do Pessegueiro com crude". O último grande acidente foi a maré negra provocada pelo Marão na sequência de um encalhe no terminal petroleiro; desta vez, foi necessário proceder à limpeza de 35 km de areais durante 45 dias. Roxo acredita que o impacto económico, social e ambiental de um derrame semelhante hoje, no pico do verão, seria "brutal". A professora recorda que os efeitos dos derrames se prolongam "por décadas" nos ecossistemas e cita o triste exemplo do Prestige, que em 2002 se afundou com 77 mil toneladas de crude a bordo na costa galega, depois de duas tentativas fracassadas de afastamento para países vizinhos – primeiro França, depois Portugal.
(…) Depois da pesca, os danos mais graves afectaram a utilização passiva da zona, um termo mais abrangente do que o turismo, que inclui elementos como a estética e o valor intrínseco das zonas naturais. Finalmente, os danos psicológicos: o derrame foi associado a mais depressões, violência doméstica, tentativas de suicídio e rupturas familiares.
O presidente da câmara de Sines, Manuel Coelho, acredita que "não há vestígios" do derrame do Marão. Se houvesse um pedido de ajuda de um petroleiro em dificuldades, diz que um navio de até 8 mil toneladas de carga seria tratado; acima disso "seria afastado o mais longe possível".
Se apesar de tudo houvesse um acidente, o porto de Sines "dispõe dos meios adequados, nomeadamente embarcações especializadas e barreiras de contenção para resposta imediata a derrames que possam ocorrer, em conformidade com o seu plano de emergência interno", assegura o comandante Brazuna Fontes, director de Ambiente e Segurança da APS. Sobre a inexistência de uma zona de refúgio - lugar isolado com condições para tratar navios, transferir as mercadorias perigosas e minimizar os danos - ninguém fala.
http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO053397.html?page=5